Uma noite em grande

Nada é imutável na vida dos membros de uma associação musical. Uns saem, por desgaste físico, outros que seguem, inexoravelmente, para o seu merecido Além, e ainda os que, querendo continuar, se contentam a ver passar navios – foi-se-lhes a voz.
Porém, a força da regeneração por que têm passado os Edmundos, aliás como em outros grupos, tem crescido à custa de boa sementeira.
E, a caminho do 30º aniversário, nota-se a tal energia do semeador, Dr. Edmundo Machado Oliveira, de onde provêm dois dos três principais grupos orfeónicos da cidade – Associação Musical Edmundo Machado Oliveira e Vox Cordis, para além do Coral de São José, renascido do coro litúrgico do orago da mesma paróquia.
E as três associações, até ver, não esmorecem, como se fora um lampadário, a que nunca tem faltado o precioso azeite.
Nasceu a primeira das três, como já muitas vezes foi badalado, num grupo de ex-alunos e padres do Seminário de Angra, a que se vieram juntar vozes femininas, por força das partituras dos diversos compositores a que se propuseram dar voz. 
Dando uma breve passagem pelo palmarés dos Edmundos, pois é nesses que a alma me prende, poderia relembrar-me os honrosos convites, fora de portas, como a gala no Coliseu dos Recreios, a inauguração do Centro Cultural de Belém, a ida ao Parlamento Europeu e outros intercâmbios com coros continentais e insulares.
É de se tirar o chapéu ao já falecido e insigne picoense, Emílio Porto, famoso pelo dom dos seus muitos arranjos com forte cunho popular, quando nos visitou com o seu coro, “é certo que sou o autor dos arranjos, mas o vosso orfeão canta como ninguém”, numa manifesta referência ao nosso maestro de então, Dr. José Rodrigues, “ele descobre dinâmicas nesses arranjos, que muitas delas não constam da partitura” – tão bem cai a humildade.
    Do mesmo modo, mas de uma forma mais erudita, quer a nossa Dr.ª Ana Paula Andrade, quer o italiano Pasquale Sansanelli, os dois professores do Conservatório, ela diretora, têm produzido arranjos ímpares para o orfeão da AMEMO. 
Vão os Edmundos, agora de passeio, para Portalegre, mas, num gesto amistoso para com o nosso público, apresentaram-se, no passado sábado, no Coliseu Micaelense, com um reportório regionalista, integrando três cantores convidados – Kátia Guerreiro, Ricardo Ribeiro e Lúcia Moniz – que encantaram a numerosa assistência.
A seguir, e a convite do Teatro Tivoli, de Lisboa, exibir-se-ão perante o exigente público da Capital.
Vai quem pode e fica quem deve, “o senhor já cantou muito”, dizia-me o meu médico assistente, Dr. Almeida Lima, colocando a mão meiga no meu ombro, adivinhando o meu pesar por não mais poder cantar, e retive, a muito custo, só Deus é que sabe, uma sentida lágrima pelo desenlace da existência, que não temos mão nela – ai, o mar da nossa vida... 
Aposto, incondicionalmente, no seu sucesso pelo que ouvi no ensaio geral. E foi aí, nesse derradeiro medir de forças, muito do meu agrado, que atrevo a pronunciar-me – vão vocês confiantes no vosso talento. 
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O mar da nossa vida

E quem arriscou afrontar o mar
Metendo-se por riscos remexidos
Talvez sem um dia saber nadar,
Nunca pensou em dias atrevidos.

Ai, vida de sulcos sem se contar… 
Vagalhões e sete mares volvidos…
Deem-me um tempo para pensar
E saborear meus males solvidos.

Neste mar bravo de desejos mil,
Tão fecundo como também hostil,
Volvo para ti a ansiedade,

Crendo não baquear em covil…
Anseio ser da Verdade servil,
Correndo feliz pra Eternidade…

Bento Sampaio

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