Especial - Love Actually - 15 anos - Parte VI
Lúcia em Hollywood
Em Novembro, Lúcia Moniz estreia-se no cinema ao lado de Hugh Grant, Emma Thompson, Colin Firth, Liam Neeson, Rowan Atkinson...
Lúcia Moniz tem 27 anos. Ao olhá-la, na simplicidade do seu rosto nu de maquilhagem, na despretensão do seu corpo vestido de conforto, dá-se-lhe menos idade. Ao ouvir as vontades de mulher teimosa e determinada, dá-se-lhe mais. Nessa inconstância temporal que lhe compõe a personalidade co-habitam uma actriz e uma cantora «rock», sem ordem de preferência ou domínio. Até agora. Com a sua participação no filme Love Actually, cujo elenco integra Hugh Grant, Emma Thompson, Rowan «Mr. Bean» Atkinson, Liam Neeson, Colin Firth, Alan Rickman e Billy Bob Thornton, a representação arrisca-se a ganhar no futuro.
Lúcia prende os olhos negros ao Tejo espelhado à beira da Expo. Descontrai-se na cadeira. Acende um cigarro. Prepara-se para recordar aquilo que é apenas novidade para o público. Para ela, o «sonho de Hollywood» já tem um ano. Certinho. As filmagens decorreram em Setembro de 2002, em França. A ansiedade começou um mês antes, no «casting», em Lisboa.
No princípio, era só mais um, para cinema, semelhante aos muitos a que se tinha já submetido e nos quais não tinha vingado. Sabia que era para um filme inglês, recheado de actores consagrados, mas não esperava mais - em caso de «vitória» - do que uma participação muda, talvez a oferecer um café às estrelas principais. Quando leu as primeiras cenas começou o nervoso miudinho. A dor no estômago. O pânico interior. O realizador Richard Curtis, argumentista de O Diário de Bridget Jones e Quatro Casamentos e Um Funeral, não queria figurantes. Queria uma protagonista. «Eu estava uma pilha de nervos. Mas passei à fase seguinte. Quando soube que tinha ficado com o papel, tive uns cinco segundos de histeria, de muitos pulos e gritos. É a minha estreia no cinema, e logo assim».
O filme é uma comédia romântica, cujo enredo se desenvolve à volta de dez histórias, simultaneamente independentes e interligadas. Lúcia é uma emigrante portuguesa em França, que trabalha como criada na casa de férias de um escritor inglês, papel interpretado por Colin Firth - o eterno Mr. Darcy de Orgulho e Preconceito e de O Diário de Bridget Jones. Durante a estada, destinada a curar um desgosto de amor e a terminar o último livro, Jamie (assim se chama o artista) aproxima-se da serviçal, apesar da imensa dificuldade de comunicação. «Eu falo português o filme todo. Ele fala inglês e às vezes um esforçado espanhol italianado misturado com francês. Há conversas completamente loucas».
Lúcia Moniz conheceu o restante elenco em Londres, aquando do «read through» (leitura total) do guião, poucos dias antes do início das filmagens em Marselha. «‘Olá, bom dia, eu sou a Lúcia. Eu sei quem você é’, dizia-lhes eu. Tive o privilégio de apertar a mão a Mr. Bean, de cumprimentar o Alan Rikman. Ao Liam Neeson... não sei se pela voz, que impõe respeito, se pelo porte enorme... nem bom dia consegui dizer». Mas quando viu Emma Thompson encheu-se de coragem e caminhou até ela. A admiração da mãe, Maria do Amparo, pela actriz inglesa a isso obrigou. «E, então, descobri um senhora da cabeça aos pés, fantástica, que adora o Algarve. O Alan Rikman até nos tirou uma fotografia».
LUZ, CÂMARA, ACÇÃO
LUIZ CARVALHO
A personagem de Lúcia obrigou a uma mudança de visual. O cabelo recuou até ao nível do queixo e tingiu-se de castanho-escuro. O rosto manteve-se quase sem maquilhagem. As roupas tornaram-se ainda mais simples do que na vida real. E, quando a «claquette» anunciou o início das gravações, a actriz estava novamente em pânico. «Na primeira cena só tinha que dizer ‘Bom dia’, mas mesmo isso... Estava a ser dirigida em inglês, tinha de falar português. Tudo foi superado com o apoio da equipa. Mimaram-me muito. Durante as cenas em que só filmavam o meu lado, o Colin Firth dava tudo dele para eu reagir, dava-me as intenções certas. Ele nem era obrigado a estar ali».
Foi graças à camaradagem que Lúcia conseguiu divertir-se até quando teve de entrar sucessivamente - tantas vezes quantos os «takes» - num lago com mais lama que água. «As folhas do livro voam para a água e eu, qual Camões, entro num lago muito feio para salvar o trabalho. A água ia pelos joelhos, mas tinha de fingir que chegava ao pescoço. Tive de me enterrar na lama, sentia coisas a mexer».
Durante os 15 dias das gravações, Lúcia viveu num mundo à parte. Quando lhe apontaram a sua roulote, um veículo enorme - com cama «king size», cozinha, sala de estar -, ela pensou que a dela, necessariamente mais modesta, estaria escondida atrás. No dia em que sentiu uma leve dor de cabeça e pediu que lhe levassem ao quarto uma aspirina, foi surpreendida por uma enfermeira com um balde de comprimidos e aparelhómetros de «check up». Quando filmaram em Londres e Lúcia e Laura Linney (nomeada para o Óscar de Melhor Actriz no filme Podes Contar Comigo) decidiam ir a pé para o estúdio ou para a casa de chá próxima, um carro com «chauffeur» acompanhava-as.
SAUDADES DE CASA
Todos os dias enviava à família «e-mails» onde descrevia pormenorizadamente os medos, as aventuras, as emoções: as noites passadas ao piano com a equipa para matar saudades do duo com a irmã Sara Moniz; o aniversário com a «nova família» que coincidiu com o de Hugh Grant, o do produtor Duncan Kenworthy e o de Collin Firth (no dia seguinte); o imenso tempo para preparar as cenas, ao contrário do das novelas A Grande Aposta, Terra Mãe, Ajuste de Contas e Saber Amar, em que participou; as filmagens dos outros a que assistia religiosamente. «Ela andou sempre de antenas no ar, a absorver tudo. Chegou a substituir os ‘substitutos de actores’ que ajudam os técnicos nas afinações», recorda a mãe.
Um ano depois das gravações restam os ensinamentos, as memórias, os amigos. Já conheceu as famílias de Colin Firth, Laura Linney, Duncan Kenworthy e continua em contacto com muitos outros pelo «e-mail» que a mantém ligada ao mundo. A representação está agora na sua fase adormecida, para dar lugar à música que nunca morreu. Quinze dias entre estrelas de Hollywood não apagam a vocação que se revelou ainda na barriga da mãe, quando, durante um espectáculo musical, deu um pontapé tão grande que obrigou Maria do Amparo a arremessar a guitarra. Ainda no berço, já ia para o palco com a mãe e o pai, Carlos Alberto Moniz, com maracas para se entreter. Garantem os progenitores que começou a cantar com 11 meses - a canção da novela Gabriela - e a compor aos 4 anos. Estudou composição nos EUA, ganhou o Festival da Canção em 1996, editou o primeiro álbum Magnólia (disco de ouro) em 1999 e o segundo intitulado 67 dois anos depois, ambos com a participação de Nuno Bettencourt. Agora voltou a fechar-se em casa para compor e criar o terceiro álbum.
Em Novembro, quando Love Actually estrear, sabe que a sua vida pode mudar radicalmente. Ou não. Lúcia diz-se preparada para os dois embates. Sempre com os pés bem assentes na terra. Só receia ver-se no cinema, «Ainda não vi o filme. Acho que vou morrer de vergonha. Resta-me esconder-me atrás das pipocas».
Fonte:revista expresso novembro 2003
Em Novembro, Lúcia Moniz estreia-se no cinema ao lado de Hugh Grant, Emma Thompson, Colin Firth, Liam Neeson, Rowan Atkinson...
Lúcia Moniz tem 27 anos. Ao olhá-la, na simplicidade do seu rosto nu de maquilhagem, na despretensão do seu corpo vestido de conforto, dá-se-lhe menos idade. Ao ouvir as vontades de mulher teimosa e determinada, dá-se-lhe mais. Nessa inconstância temporal que lhe compõe a personalidade co-habitam uma actriz e uma cantora «rock», sem ordem de preferência ou domínio. Até agora. Com a sua participação no filme Love Actually, cujo elenco integra Hugh Grant, Emma Thompson, Rowan «Mr. Bean» Atkinson, Liam Neeson, Colin Firth, Alan Rickman e Billy Bob Thornton, a representação arrisca-se a ganhar no futuro.
Lúcia prende os olhos negros ao Tejo espelhado à beira da Expo. Descontrai-se na cadeira. Acende um cigarro. Prepara-se para recordar aquilo que é apenas novidade para o público. Para ela, o «sonho de Hollywood» já tem um ano. Certinho. As filmagens decorreram em Setembro de 2002, em França. A ansiedade começou um mês antes, no «casting», em Lisboa.
No princípio, era só mais um, para cinema, semelhante aos muitos a que se tinha já submetido e nos quais não tinha vingado. Sabia que era para um filme inglês, recheado de actores consagrados, mas não esperava mais - em caso de «vitória» - do que uma participação muda, talvez a oferecer um café às estrelas principais. Quando leu as primeiras cenas começou o nervoso miudinho. A dor no estômago. O pânico interior. O realizador Richard Curtis, argumentista de O Diário de Bridget Jones e Quatro Casamentos e Um Funeral, não queria figurantes. Queria uma protagonista. «Eu estava uma pilha de nervos. Mas passei à fase seguinte. Quando soube que tinha ficado com o papel, tive uns cinco segundos de histeria, de muitos pulos e gritos. É a minha estreia no cinema, e logo assim».
O filme é uma comédia romântica, cujo enredo se desenvolve à volta de dez histórias, simultaneamente independentes e interligadas. Lúcia é uma emigrante portuguesa em França, que trabalha como criada na casa de férias de um escritor inglês, papel interpretado por Colin Firth - o eterno Mr. Darcy de Orgulho e Preconceito e de O Diário de Bridget Jones. Durante a estada, destinada a curar um desgosto de amor e a terminar o último livro, Jamie (assim se chama o artista) aproxima-se da serviçal, apesar da imensa dificuldade de comunicação. «Eu falo português o filme todo. Ele fala inglês e às vezes um esforçado espanhol italianado misturado com francês. Há conversas completamente loucas».
Lúcia Moniz conheceu o restante elenco em Londres, aquando do «read through» (leitura total) do guião, poucos dias antes do início das filmagens em Marselha. «‘Olá, bom dia, eu sou a Lúcia. Eu sei quem você é’, dizia-lhes eu. Tive o privilégio de apertar a mão a Mr. Bean, de cumprimentar o Alan Rikman. Ao Liam Neeson... não sei se pela voz, que impõe respeito, se pelo porte enorme... nem bom dia consegui dizer». Mas quando viu Emma Thompson encheu-se de coragem e caminhou até ela. A admiração da mãe, Maria do Amparo, pela actriz inglesa a isso obrigou. «E, então, descobri um senhora da cabeça aos pés, fantástica, que adora o Algarve. O Alan Rikman até nos tirou uma fotografia».
LUZ, CÂMARA, ACÇÃO
LUIZ CARVALHO
A personagem de Lúcia obrigou a uma mudança de visual. O cabelo recuou até ao nível do queixo e tingiu-se de castanho-escuro. O rosto manteve-se quase sem maquilhagem. As roupas tornaram-se ainda mais simples do que na vida real. E, quando a «claquette» anunciou o início das gravações, a actriz estava novamente em pânico. «Na primeira cena só tinha que dizer ‘Bom dia’, mas mesmo isso... Estava a ser dirigida em inglês, tinha de falar português. Tudo foi superado com o apoio da equipa. Mimaram-me muito. Durante as cenas em que só filmavam o meu lado, o Colin Firth dava tudo dele para eu reagir, dava-me as intenções certas. Ele nem era obrigado a estar ali».
Foi graças à camaradagem que Lúcia conseguiu divertir-se até quando teve de entrar sucessivamente - tantas vezes quantos os «takes» - num lago com mais lama que água. «As folhas do livro voam para a água e eu, qual Camões, entro num lago muito feio para salvar o trabalho. A água ia pelos joelhos, mas tinha de fingir que chegava ao pescoço. Tive de me enterrar na lama, sentia coisas a mexer».
Durante os 15 dias das gravações, Lúcia viveu num mundo à parte. Quando lhe apontaram a sua roulote, um veículo enorme - com cama «king size», cozinha, sala de estar -, ela pensou que a dela, necessariamente mais modesta, estaria escondida atrás. No dia em que sentiu uma leve dor de cabeça e pediu que lhe levassem ao quarto uma aspirina, foi surpreendida por uma enfermeira com um balde de comprimidos e aparelhómetros de «check up». Quando filmaram em Londres e Lúcia e Laura Linney (nomeada para o Óscar de Melhor Actriz no filme Podes Contar Comigo) decidiam ir a pé para o estúdio ou para a casa de chá próxima, um carro com «chauffeur» acompanhava-as.
SAUDADES DE CASA
Todos os dias enviava à família «e-mails» onde descrevia pormenorizadamente os medos, as aventuras, as emoções: as noites passadas ao piano com a equipa para matar saudades do duo com a irmã Sara Moniz; o aniversário com a «nova família» que coincidiu com o de Hugh Grant, o do produtor Duncan Kenworthy e o de Collin Firth (no dia seguinte); o imenso tempo para preparar as cenas, ao contrário do das novelas A Grande Aposta, Terra Mãe, Ajuste de Contas e Saber Amar, em que participou; as filmagens dos outros a que assistia religiosamente. «Ela andou sempre de antenas no ar, a absorver tudo. Chegou a substituir os ‘substitutos de actores’ que ajudam os técnicos nas afinações», recorda a mãe.
Um ano depois das gravações restam os ensinamentos, as memórias, os amigos. Já conheceu as famílias de Colin Firth, Laura Linney, Duncan Kenworthy e continua em contacto com muitos outros pelo «e-mail» que a mantém ligada ao mundo. A representação está agora na sua fase adormecida, para dar lugar à música que nunca morreu. Quinze dias entre estrelas de Hollywood não apagam a vocação que se revelou ainda na barriga da mãe, quando, durante um espectáculo musical, deu um pontapé tão grande que obrigou Maria do Amparo a arremessar a guitarra. Ainda no berço, já ia para o palco com a mãe e o pai, Carlos Alberto Moniz, com maracas para se entreter. Garantem os progenitores que começou a cantar com 11 meses - a canção da novela Gabriela - e a compor aos 4 anos. Estudou composição nos EUA, ganhou o Festival da Canção em 1996, editou o primeiro álbum Magnólia (disco de ouro) em 1999 e o segundo intitulado 67 dois anos depois, ambos com a participação de Nuno Bettencourt. Agora voltou a fechar-se em casa para compor e criar o terceiro álbum.
Em Novembro, quando Love Actually estrear, sabe que a sua vida pode mudar radicalmente. Ou não. Lúcia diz-se preparada para os dois embates. Sempre com os pés bem assentes na terra. Só receia ver-se no cinema, «Ainda não vi o filme. Acho que vou morrer de vergonha. Resta-me esconder-me atrás das pipocas».
Fonte:revista expresso novembro 2003
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