Círculo de leitores entrevista Lúcia Moniz



Lúcia
Menina-mulher com nome de poema.

As receitas são segredos. A guardar, a receber, a fazer com as próprias mãos, com o cuidado de quem ama e partilha. Lúcia Moniz é conhecida como cantora, actriz, mas é também, revela, uma aplicada compositora de sabores. Sabores a descobrir no seu primeiro livro – «2780 Taberna, Cozinha Experimental» – escrito em parceria com Tiago Carvalho, Nuno Barros e Bernardo Mendonça. Um trio que juntou talentos numa edição de experimentais combinações. Natural de Lisboa, mas de raízes açorianas, filha de duas das mais conhecidas figuras da música portuguesa, Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo, Lúcia não parece optar por caminhos de um só trilho. Representou Portugal na Eurovisão com O meu coração não tem cor, revelou-se como actriz no teatro e em várias telenovelas de sucesso, e em «O Amor Acontece» contracenou com Colin Firth. Parecendo preparada para uma carreira internacional, optou por ficar.

Círculo de Leitores (CL) - Guarda sons da infância?
Lúcia Moniz (LM) -
Guardo muitos sons. O da voz da minha mãe a cantar-me uma canção de embalar, o da voz do meu pai a contar-me a história dos peixes de várias cores. O som das gargalhadas, sussurradas entre mim e a minha irmã, enquanto os meus avós se convenciam que já estávamos a dormir. Guardo os sons da música de Chic Corea, que ouvia no carro do meu pai a caminho da escola, e da música popular Açoriana que ouvia regularmente interpretada pelos meus pais. Acredito que muitas vezes fui o seu melhor público já que pedia para repetirem vezes sem conta o Samacaio.

Moro, moro à beira do mar,
Moro à beira do mar onde eu ouço
Balouçar noite e dia o seu vaivém...

CL - Li algures que gosta de cozinhar. Sozinha ou acompanhada?
LM -
Gosto de cozinhar acompanhada de um copo de um bom vinho tinto.

CL – E como gosta de compor música: sozinha ou acompanhada, em silêncio ou ruído?
LM -
Já encontrei tantas formas de compor... Julgo que a melhor é sempre aquela que me permite, logo no momento, registar as ideias em papel ou em gravador.

CL - Mas começou por cantar. Como foi a passagem à composição?
LM –
O facto de observar muitas vezes o meu pai a compor trouxe-me alguma curiosidade, e incentivo. Naturalmente, foi acontecendo. Primeiro com melodias curtas, depois conjuntos de melodias que me permitiam estruturar uma canção ou uma peça instrumental - em que muitas vezes o instrumento é mesmo só a minha voz.

CL - Como foi pisar o palco pela primeira vez?
LM –
Já tinha pisado o palco com o meu pai, mas nunca com o sentido de responsabilidade profissional que senti no Festival da Canção de 96’. Nessa altura senti um arrepio (de responsabilidade) e, ao mesmo tempo, um conforto, e ao mesmo tempo um desejo de pisar o palco muitas mais vezes.

CL – Experimentou entretanto o teatro, o cinema, o musical. O que descobriu sobre si nessas diferentes formas de expressão?
LM -
É curioso porque a Lúcia com o sucesso na música podia ter seguido só a música; a Lúcia com o sucesso no cinema podia ter seguido uma carreira internacional; a Lúcia com o sucesso na televisão podia ter seguido a carreira de actriz. A Lúcia vai contudo experimentando diferentes vias...

CL - Sendo também o poeta um compositor de palavras tem algum poema de eleição?
LM -
“Ana Lúcia” de Fernanda de Castro. Esse poema encerra a razão pelo qual me foi dado o mesmo nome.

Ana Lúcia, a dos olhos de gazela,
a que cheirava a sândalo, a baunilha,
e tinha a cor gostosa da canela
da sua verde e perfumada ilha...
(...)
Ana Lúcia, ao piano, lendo escalas
e soletrando notas de solfejo;
a que nunca temera o sol violento,
e que tinha nas veias sangue e brasas.


CL – Que leitura(s) sugere aos nossos sócios?
LM –
Sugiro «2780 Taberna, Cozinha Experimental». Ter este livro é como ter nas mãos um caderno de receitas – de todas as receitas do meu restaurante preferido.



Fonte: Círculo de Leitores

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