Vozes de Abril


"Eu vim de longe, de muito longe, o que eu andei para aqui chegar." A vasta onda grisalha que compunha a assistência do Coliseu dos Recreios acompanhava, quase verso a verso, José Mário Branco. O longo espectáculo - quase seis horas! - Vozes de Abril, com que a Associação 25 de Abril comemorou os seus 25 anos, era uma oportunidade para ver, no mesmo palco, a Brigada Victor Jara e os Lua Extravagante, Carlos Mendes e Pedro Barroso, os "capitães" e Maria Barroso a declamar poemas, Luís Goes e Waldemar Bastos. E, também, quem é cada vez mais raro actuar: Francisco Fanhais, Tino Flores, Luiza Basto, Samuel.

Neste tempo, percebe-se melhor que canções dos tempos da resistência e de intervenção ficaram no mundo da música e quais as que só permanecem na História. No fundo, era comparar as versões de Ronda das Mafarricas de Janita, Eu Fui Ver a Minha Amada, de Helena Vieira, ou Canção de Embalar, de Jacinta (todas de Zeca Afonso) com Ei-los Que Partem, Porque ("vemos, ouvimos e lemos"), Cantiga Para Quem Sonha, tantas mais ancoradas no passado.

No Coliseu, onde o público trauteava, em voz alta ou só na memória, todo aquele cancioneiro, muitos ainda se lembram da voz de José Barata Moura em Vamos Brincar à Caridadezinha; mas eram poucos os que já só o recordam do Joana Come a Papa (que, obviamente, não foi cantada). E, entre os raros novos, seria difícil descobrir quem soubesse o que foi o Zip-Zip, esse programa televisivo de Raul Solnado, Carlos Cruz e Fialho de Gouveia onde surgiram nomes como Manuel Freire ou José Jorge Letria. Da mesma forma que é complicado para os sub-45 anos entender porque motivo Fernando Tordo, quando esteve naquele palco a cantar Tourada, a 29 de Março de 1974 (a menos de um mês do 25 de Abril), entrasse por uma porta e saísse por outra, que a polícia política e a de choque intimidavam os espectadores do I Encontro da Canção Portuguesa. Nessa noite, era tanta a música proibida que José Jorge Letria dizia que tinha perdido uma série de letras. Desta vez, lembrava Tordo, estava ali "com um livre trânsito".

Da Marcha do MFA à Gaivota, da Trova do Vento Que Passa à Pedra Filosofal, tudo se cantou no Coliseu - mesmo temas de ausentes como Fausto (O Barco Vai de Saída) ou Sérgio Godinho (Que Força É Essa). Até Maria do Amparo, muito tempo associada ao maestro do espectáculo, Carlos Alberto Moniz, após três décadas afastada dos palcos, cantava com a filha, Lúcia Moniz, Peguei no Cesto à Tardinha. Nem faltou Patxi Andión, que encerrou a noite junto de quem conhece bem Palabras e se lembra dele ali cantar, em 1973, Verde Que Te Quiero Verde.

A terminar, Grândola em coro. Depois, cada qual interpretava José Mário Branco conforme a sua ideologia: "Eu vou para longe..."|
FONTE:DN

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